Sobre o PRR e os Serviços Públicos

Ao estudar dados sobre as verbas comunitárias, o termo “Ioiô” acudiu-me de imediato, pois dos 117 mil milhões de euros recebidos da Comunidade Europeia (CE) desde 1 de Janeiro de 1986, data de adesão à CEE, em termos líquidos Portugal beneficiou de cerca de 72 mil milhões de euros para apoio ao investimento. Entretanto, também em termos líquidos Portugal viu sair entre 1995 e 2019, em lucros distribuídos, dividendos e juros cerca de 104,5 mil milhões de euros (dados obtidos através do Banco de Portugal – BdP).
No fim de 2021, dos 25.185 Milhões € de fundos comunitários disponibilizados pela União Europeia (UE) no “Portugal 2020”, que podiam e deviam ter sido utilizados até 2020, no fim de 2021, ainda estavam por executar 6.278 milhões €, ou seja, 24,9% do total.
Para nos esclarecer sobre as verbas comunitárias em Portugal dê-se a palavra a Mário Centeno numa entrevista ao Jornal Negócios em 10/2/2022, disse então: “Ao contrário do que muitos pensam, o investimento público em Portugal não é, nem de perto nem de longe, financiado por fundos europeus. Não é uma realidade que o país e a administração pública vivam no seu dia a dia. Nos últimos anos a % de investimento público financiado por fundos europeus é absolutamente minoritária em Portugal”.
Porém, também aqui a realidade é outra, segundo o Professor Eugénio Rosa (ER) com dados oficiais: “Entre 2016 e 2020, a percentagem que o investimento público representou do PIB em Portugal (1,8% [do PIB]) foi pouco superior a metade da média da U. E. (3% do PIB); o Consumo de Capital Fixo Público foi superior ao novo investimento publico (FBCF) em 8.893 milhões €. Assim não se desenvolve um país, destrói-se o país e Administração Pública”.
Pelos dados de Deve e Haver das entradas e saídas de verbas para e de Portugal, bem podemos sustentar a tal figura do brinquedo Ioiô como sendo semelhante: ora vem para cá o disco de madeira pintada de azul com estrelas douradas, fazendo bonitos enfeites consoante a destreza do manipulador do brinquedo, encantando a assistência com as cabriolices executadas, neste caso convencidos de o País estar a receber a tal “pipa de massa” a que Durão Barroso aludia perante as câmaras para o seu par gémeo José Sócrates, como logo de seguida o disco regressa à sua origem em parte ou mesmo com juros usurários, sinecuras e mesuras, mas o pessoal fica anestesiado e encantado com as cabriolices do disco. Assim até podiam dizer que “davam” dez ou cem vezes mais, pois, seria devolvido, e ficavam ainda mais bem vistos.
Entretanto na vinda e regresso do disco, dinheiro e créditos neste caso, ficam verbas suficientes para pagar “generosamente” aos gabinetes de amigos para: fazerem ecoar e ressoar por todos os cantos e a toda a hora, os exercícios encantadores do disco; produzirem os projectos e as candidaturas às verbas anunciadas, pois estes já exerceram cargos no Governo, no Parlamento, em Gabinetes de Estudos e de Advogados, ou nas várias sinecuras existentes na UE, no BCE e outros organismos externos com prebendas extraordinárias e formaram bem enfeitados currículos.
Esta uma das razões para terem esvaziado a Administração Pública (AP) Central de quadros e especialistas, e hoje, não tem os necessários para o País poder aproveitar ao máximo este fundos tão necessários. As grandes empresas nacionais, únicas com alguma capacidade de execução de tão volumosos e onerosos projectos, visto as empresas adjudicantes terem de depositar uma elevada percentagem do receita orçamentada de cada obra; ou, em muitos casos, esses projectos recaírem em empresas estrangeiras, levando logo uma elevada fatia das verbas anunciadas na vinda do Ioiô.
E assim se têm mantido os utentes portugueses encantados e enganados, supondo receber aquilo que afinal pagam com língua de palmo, comprometendo o desenvolvimento do País e constituindo uma dívida para as próximas gerações pagarem sem sequer terem sido ouvidas em tais opções.
Aliás, com estas políticas, os jovens licenciados, mestres e doutores já estão a pagar, pois ao invés de se aproveitar o investimento do País na formação académica e científica desses jovens da “Geração mais Bem Formada de Sempre”, valorizando as suas carreiras e os seus salários e admitindo-os nos quadros da AP e nas empresas nacionais deficitárias em quadros superiores, ao invés, como dizia, criam as condições para esses jovens emigrarem e irem vender a sua força de trabalho e criatividade, às empresas estrangeiras, algumas das que ganham os concursos para os quais as nacionais não têm capacidade financeira nem técnica para executarem, nem as condições concursais são de molde a facilitar a divisão dos projectos à dimensão nacional.
Ainda sobre o movimento Ioiô, Ioiô, podemos citar de novo ER noutra consequência das políticas e opções governamentais: “Mas para o poder fazer [aproveitar ao máximo as verbas comunitárias] seriam necessárias medidas urgentes que o governo tem mostrado total incapacidade em tomar. Em primeiro lugar, dotar a Administração Publica dos quadros técnicos com as competências necessárias e de meios para responder aos desafios colocados pela execução destes dois programas comunitários, mas ele está totalmente imobilizado pela obsessão do défice e de reduzir a divida pública. E em segundo lugar, as empresas estão totalmente descapitalizadas e, para utilizar os fundos comunitários, há uma parte nacional a adicionar (Estado e privados), excetuando os casos em que o financiamento comunitário é a 100%, e são pouca as situações em que isso acontece.”
Este pode ser o “retrato do que pode acontecer no PRR e no “Portugal 30” por falta de competências e de meios para utilizar de uma forma atempada e eficiente os milhares de milhões € de fundos que a União Europeia tem posto à disposição de Portugal, o que tem contribuído para que permaneça no estado de atraso em que não consegue sair. E essa análise é ainda mais necessária quando a União Europeia, aprovou para Portugal, no âmbito do PRR, 16.000 milhões € que terão de ser utilizados até 2026, e para o “Portugal 2030”, que é Quadro Financeiro Plurianual 2021/2027, mais 33.600 milhões € que podiam ser a utilizados até 2027.”
Porém “Portugal utilizou em média por ano, no período 2014/2021, apenas 2.701 milhões € de fundos comunitários.
O nosso país tem agora para executar entre 2021 e 2030, no âmbito do PRR e do “Portugal 2030”, em média 5.500 milhões € por ano, ou seja, mais do dobro do que conseguiu executar em média por ano no período 2014/2021. É fácil de concluir que se não for aumentado radicalmente o ritmo de execução dos fundos comunitários, Portugal irá perder uma parcela importante dos fundos do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e do “Portugal 2030”. É necessário ainda lembrar que os 16.000 milhões € do PRR terão de ser impreterivelmente executados até ao fim de 2026, pois o que não for utilizado até a essa data estará inevitavelmente perdido, e em 2022 em Portugal ainda têm de ser executados 6.278 milhões € do Quadro Financeiro Plurianual 2014/2020 (o Portugal 2020) já que 8 anos após o seu inicio ainda estão por executar 24,9% dos fundos comunitários.”
ER alerta: “Com uma Administração Pública degradada, incapaz de responder às necessidades da população em serviços públicos e aos desafios futuros, nomeadamente os colocados pela execução do PRR e do “Portugal 2030”, e que tem ainda para executar 6.278 milhões € do “Portugal 2020”, impossibilitada de contratar trabalhadores com as competências necessárias devido à falta de meios e ao bloqueamento burocrático, é fácil de concluir que o recurso a empresas privadas vai disparar (a Administração Pública está-se a transformar num maná para as empresas privadas de prestação de serviços). Mas isso só determinará o aumento da dependência, uma maior degradação da Administração Pública e os problemas continuarão por resolver, até por não ter trabalhadores com competências para fiscalizar e aproveitar o trabalho realizado pelos privados. A não utilização total e eficiente dos fundos comunitários será inevitável.”
E esta é outra face do mesmo problema do Ioiô: o das opções e conformidade ou não dos projectos disponíveis para candidatura e as necessidades e interesses nacionais. Claro que pedir a quem desde o 25 de Novembro de 1975 para cá tudo tem feito para alienar a Soberania Nacional, destruir os patrimónios constituídos dos sectores primário e secundário da nossa economia, privatizando sectores estratégicos e monopólios naturais, agora esperar que façam o inverso, é irrealista, pois não o fizeram por serem incompetentes ou néscios, antes pelo contrário, têm levado a “água à azenha” do capitalismo nacional e internacional sem qualquer pudor ou escrúpulo, usando o encantamento e engano do Ioiô com mestria.
Perante este verdadeiro crime de “lesa pátria”, e o nosso conhecimento das debilidades do País em termos de falta de pessoal qualificado na AP, de investimento de qualidade nos Serviços Públicos (SP), no investimento em infraestruturas cruciais para o País poder absorver toda a mão de obra nacional e da demanda migratória de ambos os sentidos, do permanente “assobiar para o lado” dos PSD, PS, CDS, CH e IL, e mesmo deturpação e silenciamento por parte da Comunicação Social a quem tem a ousadia de denunciar a situação e propor políticas alternativas, que papel cabe ao MUSP?, na denúncia, consciencialização e mobilização das populações em defesa dos SP de qualidade indispensáveis, também eles para a fixação e regresso dos 141.700 trabalhadores entre os 16 e os 44 anos que perderam os seus empregos em Portugal e foram forçados a emigrar de 2017 e 2021.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2025
